P. José Nuno Ferreira da Silva - Entrevista ao Caminhando - Bodas Prata
Padre José Nuno Ferreira da Silva falou sobre os caminhos e “descaminhos” que fizeram parte da sua caminhada em direcção a Deus
“Aprendi a falar para dizer que queria ser padre”
Cátia Alves da Silva
No ano em que comemora o 25 º aniversario de sacerdócio, Pe. José Nuno Ferreira da Silva esteve à conversa com o Jornal Caminhando. 25 anos de lembranças, de anseios, de lugares e “deslugares”...25 anos de um sacerdócio de entrega ao outro e a quem mais precisa...
Uma das certezas do Padre José Nuno é que os pássaros são a moldura do silêncio, outra é que sempre quis ser aquilo que hoje é: Padre. Diz em jeito de brincadeira que nasceu para isso e que nunca quis ser outra coisa. Nascido no seio de uma família profundamente católica recorda momentos, de quando era pequeno, e se reuniam na cozinha a rezar o terço enquanto sua mãe descascava batatas. O seu tio Padre António Fernando Lopes Ferreira (mais conhecido em Gondomar por Padre Moura) foi também uma pessoa muito importante e decisiva no seu percurso de vida. Admite que neste caminho houve momentos de dúvida e de alguma dificuldade, mas garante que nunca puseram nada do que queria em causa. “A única questão era se eu era digno de ser padre” afirma. Primeiro pelo baptismo, depois o escutismo, pela catequese, como acólito e também como catequista, Pe. José Nuno teve sempre uma relação muito próxima com a Igreja. Embora considere que mais importante do que esses caminhos, foram os “descaminhos” que o levaram até Deus.
Escutismo: Um caminho para Deus
José Nuno nasceu a 8 de Novembro de 1964, foi baptizado a 29 do mesmo mês e ano e apenas com 5 anos ingressou nos escuteiros. A sua precoce entrada no Agrupamento dos escuteiros da nossa paróquia fica a dever-se ao facto de o seu irmão mais velho, (na altura com 7 anos) ter ido e desta forma suscitado a vontade da ainda criança José Nuno conhecer este mundo. “Não posso identificar o que me trouxe para o escutismo, porque eu era muito novo e foi tudo muito rápido, mas sei o que é que o escutismo me trouxe” frisa Pe. José Nuno. Começou como lobito precocemente, longe de imaginar que um dia seria Dirigente Nacional dos Escutas, sendo ainda impulsionador de um dos projectos escutistas mais importantes em Portugal: O Projecto Drave – Uma montanha do tamanho do Homem. (ver coluna).
Para o padre Gondomarense são mais que muitas as vantagens do universo escutista. “No escutismo continua a subsistir, ainda que infelizmente muitas vezes não sejam considerados, muitos valores de uma cultura alternativa àquela que domina a sociedade em que vivemos. Se, na altura em que entrei, isso era importante, agora assume importância muito maior”, reitera acrescentando que “se haveria algum meio da pastoral da Infância, e não apenas da Juventude, que valeria a pena privilegiar é precisamente o escutismo, que, pelas suas características e pela riqueza do método escutista, tantas possibilidades oferece para fazer Jesus Cristo acontecer na vida das pessoas. Às vezes até lamento, à luz da minha experiência e mais tarde do meu papel no escutismo ao nível diocesano e até nacional, que não lhe seja dada a importância devida”, desabafa.
Do Seminário Menor ao Seminário Maior
Corria o ano de 1978, quando apenas com 11 anos, José Nuno ingressou no Seminário Menor do Bom Pastor. Este foi um período muito importante na sua vida por diversas razões. Recorda que o seminário tinha uma biblioteca imensa e como grande “devorador” de livros que era, este era um dos seus recantos preferidos, chegando até “a fazer de conta que estava doente e ir para a enfermaria que ficava junto da biblioteca só para poder trocar os livros” relembra a travessura com saudade. Itinerar na belíssima mata que o Seminário dispunha era um dos outros passatempos de eleição de José Nuno. No entanto, este tempo foi também altura de deixar a família, e tudo o que isso alberga no que diz respeito à reconfiguração dos vínculos familiares. Com a família para trás, mas sempre no coração, o então menino Padre José Nuno fez ali amigos para a vida, conhecendo ainda Padres que o influenciaram em definitivo. De todos os que entraram consigo no longínquo ano de 1978 apenas José Nuno chegou a padre... Admite que o tempo que passou no Seminário Menor não foi tempo para trabalhar sobre si próprio (só mais tarde isso aconteceu), mas acrescenta que “foi importante crescer num determinado ambiente, com uma finalidade educativa bem presente: manter em aberto a possibilidade de vir a ser padre”. Só mais tarde é que o Seminário assume esse papel em definitivo.
Com 17 anos entra no Seminário Maior da Sé e lá viveu durante 6 anos. “Este foi um tempo muito bom no meio das luzes e das sombras, descobri mais uma vez o que de mais importante tenho na minha vida, que é ter a certeza que Deus me ama de forma total e absoluta e que ama cada um, por mais pecador que seja, da mesma forma. Foi um tempo para ter a certeza que ele me queria nesse trânsito, entre o seu amor total e absoluto e cada homem. Lá tive muitas experiencia felizes. Por vezes os descaminhos levam-nos mais longe do que os caminhos. Foi um período da minha vida vivido muito intensamente” recorda. Em 1989 com 23 anos foi ordenado presbítero. “Aquilo que acontece através do ministério de um presbítero é de tal maneira transcendente e infinito que uma pessoa ser canal disso é abismal”, reflecte.
Foi ordenado diácono em 1988 e enviado para a paróquia de Santo Tirso, como estagiário. Ainda aí, é chamado para assistente do escutismo na diocese. Em razão desta missão, findo o estágio, vai como coadjutor para Cedofeita. Em 1993 volta ao Seminário do Bom Pastor, para mais cinco anos, mas agora como educador.
Ética na morte – Respeitar a vida
Há 15 anos que o Pe. José Nuno é Capelão no Hospital de S. João no Porto. Missão entregue pelas mãos do então Bispo do Porto, D. Armindo, e que inicialmente o assustou. “A ideia que se tinha, naquela altura, era que um capelão sacramentava doentes para morrer e eu achei que as minhas características dariam para tudo menos para isso” disse continuando “tinha andado a pular nos montes com os escuteiros e iria agora para o lado oposto da vida”. O seu receio era de não ter capacidade humana que o desafio assim o exigia, no entanto, Pe. José Nuno afirma que nunca poderia recusar... “Não entendo a vida de um padre sem obediência completa ao Bispo, até porque eu já havia aceite o convite no dia em que fui ordenado” esclarece afirmando que agiu de acordo com a sua consciência. “Para mim ter ido para o Hospital foi como que uma reordenação, comecei uma vida nova que me conduziu-me para muitos e novos caminhos” reitera. Sobre o dia da nomeação, o padre José Nuno diz: “é como se tivesse sido re-ordenado”. Entrou no dia 7 de Outubro, “por ser dia de Nossa Senhora do Rosário e eu ser de Gondomar”, em 1998, e desde aí, acrecenta, “o Hospital tem sido a minha missão e o meu lugar”.
Quando o Pe. José Nuno foi para o Hospital S. João a morte era encarada de uma forma diferente do que é agora. Nas palavras do Capelão daquele hospital “morria-se muito mal”. Ter assistido a alguns episódios onde a morte estava envolvida e onde todos os intervenientes sofriam fizeram com que o então Capelão iniciasse um processo de integração da morte como parte da vida. “Aquilo não era aceitável e dei-me ao dever de me indignar e fazer alguma coisa” afirmou. Assim sendo, foram inquéritos feitos para detectar o sofrimento escondido e os cursos para ajudar a lidar da melhor forma possível com uma realidade que um dia todos teremos que aceitar...a morte.
O Hospital aderiu bem a todas estas mudanças porque iam de encontro às necessidades de toda a gente. Actualmente a família pode ficar com os seus doentes até à hora da morte, coisa que não acontecia antigamente. Mudou-se a percepção da morte e deu-se oportunidade ao sofrimento para as coisas mudarem. “Apenas se mudaram condutas, as pessoas profundamente pensavam assim mas tinham uma prática profissional contrária aquilo que pensavam. Agora morre-se como pessoa. A morte não é um inimigo a combater” esclarece o Capelão.
Esta temática assumiu tal importância na vida e luta do Pe. José Nuno que, a sua tese de doutoramento debruçou-se sobre ela. “Eu nunca quis ser doutor mas quis desta forma dar autoridade académica a um tema que não a tinha” afirma. “A morte e o morrer entre o deslugar e o lugar” é o nome da tese, agora transformada em livro, de 500 páginas onde defende que as Ciências Humanas, sejam elas, sociologia, antropologia e psicologia, são áreas do saber necessárias e a que pouco se recorre na Igreja, mas que podem e devem ser usadas até para interpretar o evangelho e ajudar a pô-lo em prática. “Reduzimos o conceito de felicidade a uma procura de bem estar, que não suporta a consciência da morte, afasta todos aqueles que possam invocá-la” continua “temos que ter consciência da nossa própria finitude”. Actualmente o Pe. José Nuno é docente na Faculdade de Medicina da disciplina Antropologia Médica.
Sempre sob a égide da grande causa da Vida, uma outra temática que está na lista de prioridades do Sacerdote Gondomarense é o estatuto dos mais velhos. “Há um processo de afastamento das pessoas de idade que faz com que torne possível o surgimento de situações não desejáveis, soluções como os lares, especulações sobre a eutanásia....é um processo irreversível”, afirma. “O facto de estas pessoas sentirem que não há ninguém à sua espera e ninguém por quem esperar faz com que deixem de ter razões para viver...”conclui evidenciando a importância que assumem os visitadores de doentes e de lares para que estas pessoas se sintam mais amadas e menos esquecidas.
Um ano de reflexão, descoberta e momentos únicos
Em Outubro de 2011 Pe. José Nuno partiu em reflexão para destinos diversos e únicos, vivendo assim um ano sabático em pleno.
A primeira paragem desta jornada que se viria a revelar única e avassaladora foi em Bose, perto de Turim, em Itália. Durante quase 3 meses viveu num Mosteiro misto internacional e ecuménico no sopé dos Alpes, tendo como Prior o italiano Enzo Bianchi. Este é um lugar experimental numa aldeia emoldurada pelas montanhas. Lá encontrou católicos, protestantes e ortodoxos todos procurando ser fiéis à vida monástica. “Este é um local de altíssima qualidade teológica cuja validade e influência são mundialmente reconhecidas”, esclareceu. Neste local, Pe. José Nuno afirma ter vivido tempos belíssimos e ter descoberto um “novo eu”.
O Natal de 2011 foi passado na Arca (L’Arche), em Trosly- Breuil na França, uma comunidade já anteriormente conhecida do Padre José Nuno. Jean Vanier foi a pessoa que sonhou e tornou a “Arca” realidade, actualmente espalhada por todo o mundo (na Europa Portugal é o único País que ainda não acolhe este movimento), “L´Arche” assenta no lema “A nossa vida em comum”. E quem são estes que vivem em comum? São pessoas com deficiência mental, com maior ou menor grau de dependência. O projecto “Arca” consiste em juntar estas pessoas com outras sem deficiência, para que vivam conjuntamente em comunidades constituídas por pequenos lares de dimensão familiar. Um lar (em Trosly são 12 ao todo) é constituído por 5/6 pessoas com deficiência mental e um ou mais responsáveis opermanentes. Para além destas pessoas residentes, a “Arca” fomenta ainda o voluntariado, para que cada um de nós possa ali viver uma experiência única. A maior parte das pessoas fica lá um ano a viver em família num lar e experienciando rotinas e momentos de crescimento, novidade, reflexão e ajuda ao próximo. “Este é um projecto que nos conduz a um lugar de nós que, de outra forma, não conheceríamos” explica Pe. José Nuno almejando que “um dia Portugal tenha um centro destes”. Foi lá que conheceu um amigo para vida...Cristophe. “Ele é uma pessoa totalmente dependente para tudo, com trissomia 21, autismo e mais problemas de saúde. Durante dois meses e meio cuidei dele: mudava-lhe as fraldas, dava-lhe banho, preparava-lhe as refeições... Quando cheguei lá quase não andava e começou a andar, ia todos os dias comigo à missa”, recorda. “Ele é um amigo em absoluto pé de igualdade com outros meus amigos, o que ele me deu é de uma magnitude inimaginável, foi tanto que só ele me podia ter dado”, relembra emocionado.
Este ano sabático levou-o a outro lugar inesquecível. “Vivi a Quaresma, Semana Santa e Páscoa em Jerusalém e foi avassalador” afirma. São vários os momentos que guarda desta passagem pela Terra Santa: desde os milhares de pessoas de várias nacionalidades nas procissões, da sua vela que no ano de 2012 foi directamente iluminada do Círio Pascal para iluminar todas as outras velas, as incursões em Israel a aos territórios Palestinianos, sozinho, de mochila às costas, nos transportes públicos, mas o que mais o marcou foi ter celebrado a missa na Capela dentro do Santo Sepulcro na terça-feira da Oitava da Páscoa, antes de regressar. Estes dias vividos em Jerusalém foram descritos in loco em diversas crónicas do site da Ecclesia, denominadas “Aqueles dias aqui”. “Uma experiencia transcendente num ano que foi decisivo para mim” define assim o sacerdote.
Em jeito de conclusão o Pe. José Nuno deixou uma mensagem, que é também um desafio, aos mais jovens: “despe-te de tudo aquilo que te vestes por dentro, e procura saber quem és, e se tiveres coragem faz de um velho um espelho”.
Fica assim o testemunho, ainda que breve nestas linhas, de um homem, um padre, um filho, um ouvinte, um professor e um amigo que em tudo se entrega em pleno e cuja emoção nas palavras é contagiante e seus olhos apaziguadores...
“Fala/Ouvir-te-ei/Ainda que os segredos /As amoras me chamem /Diz-me /Que existirão lágrimas para chorar /Na velhice /Na solidão /Ainda que acordes os olhos dos deuses /Fala /Ouvir-te-ei /A coragem /Alguém de nós que já não está...”Ausência in “Oxálida” Daniel Faria
Drave: Uma Montanha do Tamanho do Homem
Já enquanto Assistente Regional do Corpo de Escutas, Pe. Nuno foi mentor de um projecto arrojado do Escutismo Português: Drave. Este projecto foi resultado de uma procura no âmbito da dimensão espiritual do método escutista e das suas potencialidades, uma forma de levar e apresentar Cristo aos Jovens. Esta iniciativa teve lugar nos anos 90 e fazia parte de um outro Projecto denominado Rumos – na primeira fase “Rumos da consciência” e na segunda “Rumos do Homem Novo”. Neste contexto foram então feitas uma série de actividades, que incluíram reflexões, encontros, músicas e ainda a aquisição de parte de uma aldeia abandonada, entre Arouca e São Pedro do Sul, denominada Drave. O pretexto último para esta aldeia foi a criação de um centro escutista onde se cultivasse a dimensão espiritual do escutismo. Actualmente Drave foi integrada numa rede selectíssima de centros escutistas a nível mundial.
Pe. Nuno Ferreira da Silva em 15 palavras:
Livro: “O Diário da Alma” de Papa João XXIII
Música: Nona Sinfonia de Beethoven
Desporto: Patinagem Artística - Pares
Santo: Charles de Foucauld
Local: Drave
Oração: Pai Nosso
Lema: Misericórdia
Clube: Portista não praticante e com pouca fé
Sentimento: A caridade é uma virtude não é um sentimento
Um dia: 29 de Novembro de 1964 (Dia do seu Baptismo)
Filme: O clube dos poetas mortos
Mar ou serra o que o inspira: Ambos e o caminho entre eles
Sonho: Arca em Portugal
Cidade: Jerusalém
País: Portugal